Muito se ouve falar em demissão do empregado por justa causa, modalidade na qual, diante do cometimento de falta grave há o encerramento da relação laboral sem o pagamento de algumas verbas. Contudo, a hipótese de o empregado aplicar a justa causa ao empregador também é possível através da chamada rescisão indireta ou demissão indireta.
A base legal para este instituto é o Artigo 483 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Cumpre lembrar que embora o rol de hipóteses da lei seja considerado taxativo, recentemente a jurisprudência das cortes superiores vem alargando o conceito, visando se adequar a realidade fática dos casos concretos, determinando o reconhecimento da rescisão indireta em situações que não sejam exatamente aquelas determinadas pela CLT.
O fundamento para este entendimento dos julgadores se dá em observância a alínea “d” do referido artigo que determina a possibilidade ampla de rescisão pelo empregado caso o empregador não cumpra com as obrigações determinadas no contrato de trabalho, considerando tal comportamento como falta grave passível de encerrar a relação laboral.
Insta mencionar que na esfera trabalhista o contrato de trabalho tem seus limites mais solidificados em virtude das balizas impostas pela legislação especial e pelas convenções e acordos coletivos. Portanto, disposições contratuais que não se adequem ao que preconiza a CLT são automaticamente considerados nulas, não importando a vontade das partes.
Ademais, muitas vezes o próprio empregador, com o intuito de demitir o empregado, passa a agir de forma a tornar insustentável a permanência do obreiro no local de trabalho, buscando fazer com que o empregado acabe por pedir demissão e assim perder alguns dos direitos oriundos da demissão sem justa causa, como a multa de 40% do FGTS, aviso prévio etc.
Nestes casos o obreiro pode de imediato ingressar com uma ação pleiteando a rescisão indireta ou primeiramente romper o contrato de trabalho, através de pedido de demissão onde claramente informe os motivos do desligamento, com imediato ajuizamento de ação trabalhista onde declare ter sido compelido a pedir a demissão, intentando evitar futura arguição de abandono de emprego em sede de reconvenção.
No entanto, o obreiro deverá estar ciente dos requisitos necessários para a configuração da rescisão indireta, como a verificação de nexo causal entre a conduta do empregador e a motivação da rescisão, a gravidade da falta cometida, a imediatidade, a ausência de perdão tácito e a razoabilidade. Exatamente como ocorre na justa causa para a dispensa do empregado.
Saliente-se que as cortes superiores vêm entendo que a imediatidade – no caso a necessidade do empregado comunicar as autoridades ou rescindir o contrato imediatamente após a falta cometida pelo empregador – e o perdão tácito, devem ser relativizados como requisitos, tendo em vista que muitas vezes o obreiro deixa de proceder desta forma por desconhecimento de seus direitos ou medo de ficar desempregado, como vemos no julgado a seguir:
RECURSO DE REVISTA. 1. RESCISÃO INDIRETA. PRINCÍPIO DA IMEDIATIDADE. NÃO EXIGÊNCIA. O entendimento desta Corte é no sentido de que ao trabalhador, que não aciona a empresa diante do atraso no pagamento do salário e de outras obrigações trabalhistas, não se aplica o princípio da imediatidade. A sua inércia só pode ser considerada como prova de que há desequilíbrio de forças entre as partes e não como perdão tácito. O empregado necessita manter o contrato de trabalho, imprescindível ao seu sustento e de sua família, sujeitando-se a condições como a descrita. Recurso de revista conhecido e provido. (…) (TST – RR: 7253320105150054 725-33.2010.5.15.0054, Relator: Guilherme Augusto Caputo Bastos, Data de Julgamento: 06/11/2013, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 14/11/2013).
Todavia, nas situações em que se configurar uma das hipóteses previstas pelo Artigo 483 o empregado poderá buscar seus direitos na esfera judicial, revertendo os efeitos do pedido de demissão e fazendo jus a todas as verbas rescisórias.
Porém, diante da alegação de rescisão indireta caberá ao empregado a comprovação dos fatos narrados, sendo que em cada uma das hipóteses as provas serão produzidas individualmente e de acordo com o caso concreto, buscando a melhor adequação e o convencimento do juízo.
Em certos casos, como quando o empregado descumpre as obrigações contratuais referentes ao pagamento de salários ou depósitos de FGTS, por exemplo, bastam as provas documentais. Em situações mais específicas como a hipótese contida na alínea “b” (empregado tratado pelos superiores com rigor excessivo) pode ser necessária a inclusão de prova testemunhal ou outros registros como e-mails, mensagens de texto ou imagens de câmeras de segurança, capazes de corroborar com a versão apresentada.
Em situações extremas como ameaças verbais ou ofensas de gênero, raciais ou referentes a orientação sexual, além das verbas atinentes a rescisão contratual também poderá haver indenização por danos morais em favor do empregado.
A seguir serão elencadas todas as hipóteses que permitem a rescisão indireta, constantes no Artigo 483 da CLT:
Neste caso a situação mais usual é aquela em que o contrato de trabalho especifica certas funções, mas na prática o empregador exige que o obreiro exerça outras atividades. Diante disto, ao buscar a justiça do trabalho, além de pleitear a rescisão indireta o empregado poderá perquirir o direito a equiparação salarial, quando presentes os requisitos do Artigo 461 da CLT.
Já na hipótese de prestação de serviços contrários aos “bons costumes” deve-se entender como serviços que podem ferir a moral do obreiro, como uma garçonete que se vê obrigada a trabalhar vestindo trajes mínimos, ou oferecer serviços de cunho sexual aos clientes, por exemplo. Cumpre salientar, mais uma vez, que dependendo da situação também caberá indenização por danos morais além das verbas rescisórias.
2. Quando o empregado for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;
O rigor excessivo é um conceito capaz de gerar dúvidas, tendo em vista que o que para alguns pode ser rigoroso demais, para outros poderá ser considerado normal.
Entretanto, algumas situações específicas são passíveis de determinar o efetivo rigor excessivo, como nos casos em que há diferença no tratamento entre funcionários, exigindo muito mais de um do que de outro na mesma função.
Outros comportamentos como falas agressivas, ameaças de demissão constantes, tratamento ríspido, atos atentatórios a saúde emocional do obreiro ou até mesmo o não oferecimento de condições laborais fisicamente confortáveis, como por exemplo a exigência de que o empregado permaneça em pé por longos períodos ou a imposição de horários rígidos para a utilização do banheiro, também se enquadram na definição legal de rigor excessivo.
3. Correr perigo manifesto de mal considerável;
O risco de que aconteça alguma mal considerável ao obreiro deve ser configurado como ocorrências passíveis de causar danos a sua integridade e que não estejam previstas no contrato de trabalho, sem exclusão de caso fortuito ou força maior, quando tais hipóteses poderiam ser previstas e caberia ao empregador tomar algum tipo de precaução. Sendo assim, excluem-se aqui as atividades que por si só já apresentam algum grau de periculosidade, desde que todas as medidas de segurança e boas práticas tenham sido tomadas pelo empregador.
Como exemplo de situação passível de enquadramento nesta alínea, podem ser incluídos os estabelecimentos que sofrem assaltos frequentes, colocando em risco a integridade física dos funcionários e nos quais, mesmo sabendo do problema, o empregador não toma nenhuma atitude para melhorar a segurança[1].
4. Não cumprimento pelo empregador das obrigações do contrato;
Esta é a hipótese legal mais abrangente, capaz de incluir diversas situações como: Atrasos ou não pagamento de salários ou outras verbas (vale transporte, vale alimentação e etc.) previamente acordadas. Exigência de trabalho em horários ou funções alheias ao que havia sido combinado no momento da contratação, sem a anuência expressa do empregado (Artigo 468 CLT). Atraso ou ausência de pagamento dos valores correspondentes ao período de férias; Descontos indevidos no salário; Omissões acerca dos depósitos do FGTS ou descontos previdenciários, não concedendo as devidas informações ao obreiro; Deixar de computar, para efeito de cálculo dos depósitos do FGTS, parcela componente da remuneração; Deixar de efetuar os depósitos com os acréscimos legais, após notificado pela fiscalização.
Entre outras hipóteses que poderão ser verificadas caso a caso pela justiça do trabalho.
Vale salientar que o pagamento de salários atrasados após a notificação da justiça do trabalho não elide a hipótese de rescisão indireta[2].
5. Praticar o empregador ou seus prepostos, contra o empregado ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;
Nesta alínea se enquadram as situações em que o empregador ou seus prepostos ofendem verbalmente, caluniam, difamam ou injuriam o obreiro, ou pessoas de sua família diretamente ou para outras pessoas. Caso se verifique tal situação, além da rescisão indireta também poderá haver a responsabilização do empregador nas esferas cível e criminal.
6. O empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
Esta situação se configura quando o empregador agride fisicamente o empregado. Contudo, neste caso, na hipótese de comprovação de culpa recíproca (quando patrão e empregado se agridem mutuamente) haverá a diminuição das verbas rescisórias pela metade de acordo com a Súmula nº 14 do Tribunal Superior do Trabalho e o Artigo 484 da CLT.
7. Quando o empregador reduzir o trabalho do empregado, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.
Como exemplo para esta hipótese podemos imaginar uma costureira que a cada cinquenta peças entregues recebe um adicional de 20% em seu salário e por costurar cem peças por mês acaba por receber todos os meses 40% a mais em sua remuneração. Porém, um dia o empregador decide que ela deverá costurar somente quarenta peças no mês, excluindo a possibilidade do recebimento do bônus, diminuindo consideravelmente a sua renda mensal.
Além das hipóteses contidas no Artigo 483, existem outras situações que ensejam a rescisão indireta.
No caso de menores de idade os cuidados com as condições de trabalho são mais rigorosos, podendo a autoridade competente solicitar a mudança de função do menor nas hipóteses em que os trabalhos desenvolvidos atentarem contra a sua saúde, sua moral ou seu desenvolvimento físico. Caso a empresa não proceda as modificações necessárias será decretada a rescisão indireta, nos termos dos Artigos 407 e 408 da CLT.
Por fim a lei também traz a previsão de rescisão indireta nos casos em que o empregador falece e o empregado não possui interesse em permanecer trabalhando para os seus herdeiros, ou para outra pessoa que venha a assumir o negócio.
Importante salientar que nas hipóteses das letras d e g, poderá o empregado pleitear a rescisão de seu contrato de trabalho e o pagamento das respectivas indenizações, permanecendo ou não no serviço até final decisão do processo. A jurisprudência tem entendido que somente estas duas hipóteses dão ao empregado a faculdade de suspender o contrato de trabalho e posteriormente retornar ao emprego sendo que os demais casos deverão ser analisados isoladamente, mas como regra o empregado deverá se retirar da empresa sob pena de não ter a reclamação acolhida.
Este entendimento não se aplica aos casos de empregado estável que poderá optar pelo ajuizamento de ação trabalhista visando à condenação do empregador ao cumprimento do contrato.
O principal efeito da aplicação da justa causa pelo empregado no empregador é que o trabalhador mantém todos os direitos trabalhistas que são adquiridos quando demitido sem justa causa, neste caso os direitos do empregado, referentes às verbas rescisórias após o reconhecimento judicial da rescisão indireta serão:
a) saldo de salário, incluindo horas-extras e outros adicionais;
b) aviso prévio
c) salário-família (Lei nº 8.213, de julho de 1991, arts. 65 ao 68);
d) o pagamento do 13º salário corresponderá a 1/12 da remuneração devida no mês da rescisão por mês de serviço.
e) férias proporcionais, férias vencidas, acrescidas de 1/3;
f) Direito a sacar o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) acrescido da multa de 40% (quarenta por cento) paga pelo empregador sobre o valor do FGTS.
g) Seguro desemprego;
A caracterização da rescisão indireta do contrato de trabalho, se dará somente através de ação trabalhista, de natureza declaratória, na qual o poder judiciário confirmará a rescisão indireta do contrato de trabalho por culpa do empregador, em decorrência de uma das hipóteses previstas no Artigo 483 da CLT, concedendo ao obreiro a garantia de recebimento de todos os valores devidos elencados acima.
Palavras chave: Rescisão indireta, CLT, reforma trabalhista, demissão indireta, pedido de demissão, justa causa, despedida indireta.
[1] TRT-11 – RO: 00004273520155110003, Relator: VALDENYRA FARIAS THOME, Data de Julgamento: 07/08/2018, 1ª Turma, Data de Publicação: 09/08/2018.
[2] SÚMULA Nº 13 – MORA: O pagamento dos salários atrasados em audiência não elide a mora capaz de determinar a rescisão do contrato de trabalho. Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003
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