Pejotização: A contratação do trabalhador como pessoa jurídica - MEI

Por Dr. Clodoaldo Andrade Jr.
| 14 de abril de 2023

Pejotização: flexibilização ou precarização?

Seria a pejotização uma prática que traz mais benefícios ou prejuízos ao trabalhador? Para responder a essa pergunta, fizemos uma análise detalhada neste artigo. 

Trouxemos um exemplo comum no mercado de trabalho para melhor entendimento, e avaliamos os detalhes das legislações em vigor. Acompanhe.

Imaginemos a seguinte situação: Um pedreiro, de nome Cícero, trabalhou durante dez anos para uma construtora de grande porte. Lá, tinha todos os seus direitos trabalhistas garantidos. Infelizmente, a empresa veio a fechar e, por consequência, Cícero ficou desempregado.

Após seis meses sem trabalho e com o fim de suas parcelas do seguro-desemprego, um antigo colega, chamado Heitor, lhe propõe uma nova oportunidade: Exerceria as mesmas funções que ele exercia na empresa anterior, mas a contratação precisava ser feita por meio de um CNPJ. 

Formalmente, seria uma empresa contratando outra para prestar os serviços.

Cícero fica desconfiado e sem entender os motivos para ter que abrir uma empresa como condição para voltar a trabalhar. Heitor lhe convence dizendo que os pagamentos, feitos por produção e através de contratos de prestação de serviço, seriam maiores.

Além disso, ele teria a liberdade de executar serviços para outras empresas e trabalhar nos horários que escolhesse, podendo tirar folga  quando quisesse.

Convencido pelas palavras de seu amigo e precisando muito trabalhar, Cícero prontamente abre uma microempresa individual, o famoso MEI, em questão de minutos. Ele pensa: Meus problemas estão resolvidos. 

Finalmente ele volta à ativa e, não mais como funcionário, mas sim como empresário.

Os problemas da pejotização

No entanto, com o decorrer dos dias, a realidade sonhada não se mostra tão perfeita quanto parecia. Os contratos de prestação de serviço assinados com a empresa de Heitor não são frequentes, não garantem trabalho todos os meses.

Também não prevêem dias de descanso. E Cícero acaba por notar que, diferentemente de um empresário, continua a ter horário fiscalizado e definido. Recebe ordens e punições de seu contratante, exatamente como ocorria quando era empregado. 

Ou seja, continua a ter todas as obrigações de um empregado com carteira assinada, mas sem ter os mesmos direitos. A realidade, dura e difícil, passa a se apresentar. 

Para conseguir remuneração suficiente, capaz de cobrir os meses em que não há trabalho, Cícero se vê obrigado a “emendar” serviços para outras empresas, trabalhando por vários períodos com jornadas absurdas. Isso passa a destruir a sua saúde física e mental.

Não bastasse, Cícero nunca mais conseguiu tirar férias pois, por essa via de contratação como pessoa jurídica MEI, não possuía mais este direito. Nem tinha remuneração se ficasse o mês sem trabalhar.

Os Natais ficaram muito mais minguados em sua casa, uma vez que já não contava mais com o 13º salário. Entre outros problemas.

As relações de trabalho e a Lei

A história narrada acima é ficcional, mas baseada em casos reais que vemos todos os dias. Histórias como a de Cícero vem se tornando cada vez mais comuns no dia a dia dos trabalhadores brasileiros.

Principalmente, após a reforma trabalhista e o implemento da Lei 13.429 de 2017. Ao alterar outras disposições legais, incluindo a possibilidade de terceirização irrestrita e permanente, a reforma abriu brecha para que certas barreiras de proteção ao trabalhador desaparecessem.

Apesar disso, a contratação através de pessoa jurídica, popularmente conhecida como “pejotização”, tende a ser vista como fraude pelo Judiciário. 

Isso porque, em regra, esse tipo de contratação caracteriza vínculo empregatício, e garante ao trabalhador todos os seus direitos de forma retroativa, além de prever a condenação da empresa contratante às sanções cabíveis. 

Contudo, comprovar que existe uma relação de emprego configurada por trás da “fachada” da pejotização ficou mais complicado, mas é plenamente possível.

A dificuldade surge devido às flexibilizações trazidas pela reforma trabalhista no tocante à terceirização de atividade fim e a mudança de regras para a contratação de autônomos.

Apesar da lei, a jurisprudência trabalhista (entendimento dos juízes e ministros do trabalho) concede proteção nos casos de contratos de emprego que são travestidos de relação entre pessoas jurídicas.

A legislação traz a proteção, de forma expressa, apenas aos casos em que o empregador demite o funcionário CLT e depois o recontrata como pessoa jurídica. Todavia, tal proteção é precária, pois a lei prevê o prazo de apenas 18 meses para que possa ser feita a recontratação.

Demissão voluntária, fraude e Justiça

Em verdade, a proteção ao trabalhador prevista em lei é bem frágil e tímida, e muitas empresas têm oferecido planos de demissão voluntária. Assim, cobrem, em parte, os custos do período em que seria proibida a recontratação.

Burlando o prazo legal, procedem à recontratação após os dezoito meses para empregados que aceitem a mudança de status de pessoa física para pessoa jurídica.

Neste momento, se apresenta a valorosa Justiça Laboral, que aprecia a situação fática do contrato e, encontrando os elementos caracterizadores da relação de emprego, declara a nulidade da contratação na condição de Pessoa Jurídica.

Devolve ao trabalhador todos os seus direitos como empregado, inclusive determinando a assinatura de sua carteira de trabalho novamente.

Mas, é fato que, seduzidos pelo “canto da sereia” de melhores proventos e flexibilidade de horários, trabalhadores das mais diversas categorias profissionais vêm se submetendo a isso.

Tornar-se-iam empresários, com o único propósito – e benefício – de obter o seu direito fundamental de ter um emprego.

Como exemplo da abrangência desta reprovável prática, é possível citar diversos casos, nas mais diversas áreas. Desde atores famosos e jornalistas contratados como pessoa jurídica.

Prática comum dos maiores conglomerados de mídia do Brasil, como Rede Record, SBT e Rede Globo, passando por professores, pedreiros etc. A situação chega ao extremo com a Lei 12.592 de 2012, que retira, quase que por completo, os direitos trabalhistas dos profissionais de beleza. 

Esta lei possibilita que manicures, cabeleireiros e outros profissionais da área de beleza possam celebrar contratos de parceria – ao invés de contratos de trabalho – com as empresas contratantes. 

Sem dúvidas, vive-se hoje um momento de tentativa de destruição dos direitos dos trabalhadores subordinados. Faz-se cada vez mais importante a atuação firme da Justiça do Trabalho, o porto seguro judicial de resistência do trabalhador que busca suas garantias. 

A Pejotização durante a pandemia

Pesquisas mostram que, durante a pandemia, a contratação de trabalhadores como PJ (MEI) aumentou quase 40% em relação a anos anteriores. Isso demonstra a clara ligação entre o aumento da necessidade de trabalho e, consequente, aceitação de perda de direitos para não ficar sem emprego. 

Certamente, não se pode generalizar e afirmar que todas as contratações via pessoa jurídica são ilegais, imorais ou fraudulentas. 

Elas se tornam ilegais e fraudulentas quando utilizam artifícios com o intuito de eximir a empresa contratante de suas obrigações legais.

Acontece fraude quando a relação via PJ é idêntica à de emprego, sobretudo quando há subordinação e controle das atividades. Principalmente, quando fica o trabalhador totalmente desamparado de seus direitos, perdendo remuneração e descanso.

É lamentável que as mudanças trazidas pela reforma trabalhista facilitem a possibilidade de o empregador auferir vantagens oriundas da força de trabalho, sem ter que pagar os direitos correspondentes, através da contratação via pessoa jurídica. 

E a chamada pejotização, na atual realidade, tornou-se costumeira nas empresas para esconder relações de fato empregatícias. Deixa-se de firmar um contrato de emprego, que ocorre na prática, para ter um contrato de prestação de serviços regulado pelo Código Civil e não pela CLT. 

Caracterização legal da pessoa jurídica

Ao analisar o perfil de muitas das empresas que vêm surgindo para prestar serviços, é notória a ausência de certos requisitos legais. 

Para a existência de uma pessoa jurídica, é imprescindível a liberalidade de sua criação. Ou seja, o profissional deve estar ciente de que é o que realmente deseja, não podendo, de forma alguma, ser algo imposto por terceiros como uma condição para poder prestar o serviço, sobretudo de forma subordinada.

Diante destas situações, em que a fraude restar comprovada, é preciso invocar o artigo 9º da CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas – que prevê:

“Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.”

No âmbito penal, tal conduta de burla aos direitos fundamentais e sociais do trabalhador também é considerada crime, preceituado no art. 203 do Código Penal, da seguinte maneira: 

“Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho. Pena: detenção de um ano a dois anos, e multa.”

Ademais, a justiça do trabalho conta com os princípios da primazia da realidade e irrenunciabilidade de direitos, sendo esse a impossibilidade de o empregado renunciar ao recebimento de uma ou mais verbas de natureza trabalhista. 

Isso significa, na prática, que o empregado não pode renunciar a direitos de forma voluntária, como as férias, o descanso remunerado e o 13º salário, por exemplo.

Muito embora seja pacífico que, dentro da seara trabalhista, certas regras possam ser relativizadas ou flexibilizadas através de acordos coletivos…

Visando, em alguns casos, a preservação da saúde econômica da empresa e dos respectivos empregos…

O fato é que a contratação via pessoa jurídica não relativiza direitos, ela definitivamente os exclui. 

Neste caso, é preciso ter ciência de que esta modalidade de contratação retira direitos indisponíveis que estabelecem a mínima proteção aos trabalhadores empregados.

Flexibilização x precarização

Não se pode confundir flexibilização com precarização. 

A flexibilização é entendida como uma maneira de amenizar a rigidez de certas normas trabalhistas. 

Já a precarização é a supressão de direitos do trabalho, retirando direitos fundamentais do trabalhador. 

É inadmissível que se permita este retrocesso. Flexibilizar certas disposições da CLT não pode significar deixar de acobertar a parte mais vulnerável da relação jurídica, deixando-a à mercê de empregadores que se aproveitam das elevadas taxas de desemprego para forçar uma contratação sem os mínimos direitos resguardados.

Por estas razões, é muito importante que o empregado contratado via pessoa jurídica saiba que o fato de ter um contrato de prestação de serviços, e não um contrato de emprego, não o impede de ter o posterior reconhecimento do vínculo CLT.

Assim tendo o obreiro o direito a declaração judicial da relação de emprego, recebendo todas as suas verbas trabalhistas atuais e retroativas a todo o tempo do contrato PJ.

Mas, é importante ressaltar que, para a configuração de uma relação empregatícia, devem estar presentes os requisitos da pessoalidade, não eventualidade (continuidade), subordinação jurídica e onerosidade.

Os Tribunais Superiores têm firmado entendimento no sentido de colocar em primeiro lugar o princípio da Primazia da Realidade, concedendo aos trabalhadores que comprovarem os requisitos o reconhecimento do vínculo empregatício.

O trabalho à distância, que se tornou mais comum durante e após a pandemia, também não descaracteriza a subordinação, assim como a recusa do empregado em aceitar o serviço, no caso, por exemplo, de contrato intermitente. 

Conclusão

A subordinação é, para grande parte dos doutrinadores, o requisito primordial para caracterizar a relação de emprego.

Visando burlar o requisito da não eventualidade, tem se tornado prática comum dos portais de recrutamento e das grandes empresas manter cadastros de vários profissionais e contratá-los em intervalos alternados. Além de configurar fraude, isso faz com que o profissional fique sem trabalho durante longos períodos. 

Neste caso, também é plenamente possível a comprovação da conduta maliciosa do empregador perante a justiça trabalhista através de provas simples: E-mails trocados, contratos de prestação de serviços em intervalos regulares, extratos bancários ou testemunhas.

Por fim, insta mencionar que a precarização do trabalho nestes moldes, oriunda da omissão do Estado na proteção aos trabalhadores, não prejudica apenas os envolvidos diretamente.

Também é desfavorável a toda a coletividade, tendo em vista que a pejotização leva também à sonegação dos impostos devidos, que deixam de ser aplicados em políticas públicas.

Como exemplo, temos o FGTS, que também se destina ao financiamento de programas de habitação, saneamento básico e infraestrutura urbana. Além de onerar sobremaneira a Justiça do Trabalho com diversas ações sobre o tema, uma vez que muitos dos contratos via pessoa jurídica são, na verdade, irregulares.

Os princípios da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e do pleno emprego, são os pilares fundamentais da Constituição e devem ser resguardados por toda a sociedade.

plugins premium WordPress

Utilizamos cookies para analisar e personalizar conteúdos e anúncios em nossa plataforma e em serviços de terceiros. Ao navegar no site, você nos autoriza a coletar e usar essas informações. Para saber mais sobre como utilizamos cookies e como você pode controlá-los, leia nossa Política de Privacidade.