Desde a antiguidade as atividades de mineração foram categorizadas como um dos trabalhos cuja execução era mais arriscada. Em tempos pretéritos, a mineração poderia ser considerada uma punição penal, destinada aos condenados por crimes graves. Não obstante, no contexto de um passado não tão distante, podemos citar os mineiros da época da revolução industrial que contavam com as piores condições de trabalho existentes no período. Em certos casos as jornadas chegavam a 14 horas diárias e os acidentes fatais eram a regra, não a exceção.
O fato é que o labor nas minas sempre ofereceu, e ainda oferece, riscos aos seus trabalhadores. Neste caso, podemos citar o risco de soterramentos, intoxicações, além das doenças típicas da atividade extrativa, tais como: pneumonia, tuberculose e a silicose. Ademais, a atividade em si ocasiona danos contínuos como os efeitos de condições de temperatura e ventilação inadequadas. Tais aspectos são capazes até mesmo de ocasionar uma saturação inferior nos níveis de oxigênio tornando os operários menos conscientes, comprometendo a sua própria segurança em razão da diminuição da capacidade de permanecer alerta e, consequentemente, a desatenção aos sinais de um potencial acidente.
Além de ofertar riscos aos trabalhadores, as atividades de mineração também são um potencial risco ao meio ambiente e às comunidades envolvidas no seu entorno. No Brasil tivemos os emblemáticos casos de Brumadinho e Mariana, nos quais as barragens de rejeitos da mineração se romperam soterrando cidades inteiras e deixando um rastro de destruição sem precedentes. Em âmbito internacional é possível citar o caso Aberfan, no qual o deslizamento de uma mina de carvão soterrou 166 pessoas, dentre elas 104 crianças de uma escola localizada nas proximidades.
Neste norte, sabendo que as atividades pertinentes a extração de minérios são capazes de ocasionar danos de grande monta, a legislação vem se tornando cada vez mais estrita visando a proteção das comunidades envolvidas, do meio ambiente, mas principalmente dos trabalhadores, uma vez que estes são, sem dúvidas, aqueles que sofrem os maiores impactos. Pois, ainda que não haja nenhum tipo de acidente na mina, poderão enfrentar reflexos negativos em sua saúde pelo simples fato de exercerem este labor.
As normativas internacionais preveem uma série de aspectos ligados ao labor mineiro através da resolução nº 176/1995 da OIT – da qual o Brasil é signatário – como por exemplo, sobre os perigos aos quais os trabalhadores são expostos, o risco de acidentes, a ausência de condições sanitárias adequadas, as sequelas à saúde dos trabalhadores, a existência de vapores nocivos e os problemas ocasionados pelas tensões físicas que podem acarretar cansaço constante e lesões musculares ou ósseas.
Especificamente com relação às leis brasileiras, o trabalho em minas de subsolo prevê algumas disposições especiais devido às patentes dificuldades e as condições de insalubridade enfrentadas pelos obreiros. Tais regras estão esculpidas na seção X da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), nos Artigos 293 a 301.
O Artigo 293, trata sobre a jornada de trabalho, preconizando que a duração normal das atividades efetivas para os empregados em minas no subsolo não excederá de 6 horas diárias ou de 36 semanais. Já o Artigo 294 trata das horas in itinere, tanto pelo deslocamento ao lugar no qual se localizam as minas, quanto pelo tempo despendido pelo empregado entre a boca da mina e o efetivo local de trabalho. Neste caso este lapso temporal deverá ser computado nas horas remuneradas.
Por sua vez, o Artigo 295 da CLT diz respeito à possibilidade de diminuição ou prorrogação das horas trabalhadas. Na hipótese de aumento das horas trabalhadas diariamente, este acréscimo só poderá ocorrer mediante acordo escrito entre empregado e empregador ou contrato coletivo de trabalho. A prorrogação estará sujeita à prévia licença da autoridade competente em matéria de higiene do trabalho. Em contrapartida, as horas diárias poderão sofrer diminuição em virtude das condições locais de insalubridade e os métodos e processos do trabalho adotado.
Em razão das condições difíceis e fisicamente desgastantes do trabalho mineiro, o Artigo 298 da CLT preceitua que em cada período de 3 (três) horas consecutivas de atividade, será obrigatória uma pausa de 15 minutos para repouso, a qual será computada na duração normal de trabalho efetivo. O grande problema é que na prática as empresas de mineração por vezes deixam de cumprir o que está determinado nas normativas internacionais e na lei brasileira, aumentando as jornadas ou deixando de oferecer os direitos específicos da categoria.
Ressalte-se, mesmo que o empregador tenha realizado acordo ou convenção coletiva estabelecendo a prorrogação da jornada de trabalho em minas e subsolo, para garantir eficácia perante a Justiça do Trabalho, é obrigatório requerer junto ao Ministério da Economia, que hoje faz as vezes do antigo Ministério do Trabalho, a licença prévia para que os trabalhadores possam prorrogar suas jornadas.
Outro aspecto que vem sendo descumprido com frequência pelas mineradoras é relacionado aos intervalos concedidos especialmente aos trabalhadores mineiros e o direito aos intervalos intrajornada. Neste diapasão, os intervalos não se confundem, sendo que tanto as pausas de 15 minutos, previstas pelo Artigo 298 da CLT, quanto o intervalo normal intrajornada devem ser concedidos aos trabalhadores de minas de subsolo, pois por se tratar o intervalo intrajornada de norma de higiene e segurança, não se admite a redução de seu período nem mesmo por convenção ou acordo coletivo.
Não obstante, é preciso levar em consideração que o labor mineiro na maioria dos casos impossibilita que o obreiro saia do local das minas para gozar o intervalo, o que também é prejudicial a sua saúde física e mental.
Observando a aplicação dos regramentos em um caso prático, em jurisprudência de 2016 (Nº RTOrd-0012340-92.2014.5.18.0281) a VOTORANTIM METAIS S/A, fora condenada por descumprir todos os dispositivos mencionados em um mesmo caso, no qual violou os direitos de um trabalhador mineiro, imputando a jornada de oito horas sem o acordo coletivo nem licença prévia do Ministério do Trabalho. Deixando, portanto, de oferecer as pausas de 15 minutos previstas por lei, bem como o intervalo intrajornada, e ainda deixando de computar devidamente as horas in itinere. Por isso, é possível notar que os dispositivos legais com o fito de conferir uma proteção extra aos obreiros mineiros não são suficientes para que estes direitos sejam efetivados na prática.
Mais um ponto importante inerente à atividade mineira diz respeito aos intervalos para recuperação térmica. Com relação a este aspecto a Portaria nº 1.359, de 9 de dezembro de 2019, que alterou o Anexo nº 3 – Limites de Tolerância para Exposição ao Calor – da Norma Regulamentadora nº 15, determina as condições de salubridade em ambientes expostos ao calor. A determinação dos índices toleráveis de calor e de sobrecarga térmica é obtida por meio do IBUTG ( Índice de Bulbo Úmido Termômetro de Globo), através do índice entre o limite de exposição ocupacional ao calor e a taxa metabólica por tipo de atividade.
Nos casos de trabalhadores de minas de subsolo é usual que este índice esteja perto dos patamares máximos de tolerância (29,5 IBUTG), o que qualifica os obreiros ao direito de obter quarenta e cinco minutos de descanso para cada quinze minutos trabalhados, o que também nem sempre é cumprido pelas empresas, conforme é possível observar pelo julgado colacionado a seguir:
“RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA – VALE S.A. – INTERVALO PARA RECUPERAÇÃO TÉRMICA – ATIVIDADE INSALUBRE – EXCESSO DE CALOR – NÃO OBSERVÂNCIA. Consoante previsto no quadro 1 do Anexo 3 da NR nº 15 da Portaria nº 3.214/78 do Ministério do Trabalho e Emprego, os trabalhadores que realizam atividades moderadas em temperatura de 29,5 IBUTG, a cada 15 minutos de trabalho, têm direito a 45 minutos de descanso. No caso, constou expressamente no acórdão regional que o reclamante, no exercício das atividades inerentes à função de “técnico de manutenção de equipamentos de subsolo”, permanecia exposto ao calor de 29,5 IBUTG, como registrado no perfil profissiográfico previdenciário fornecido pela reclamada, mas sem usufruir do intervalo para recuperação térmica expressamente previsto no Anexo 3 da NR nº 15 da Portaria nº 3.214/78 do MTE. (RR – 99900-28.2009.5.20.0011 , Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 19/08/2015, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 06/11/2015)”.
Além da questão pertinente aos índices de calor, a normativa citada traz um rol de deveres dos empregadores, obrigando a adoção de medidas de prevenção, de modo que a exposição ocupacional ao calor não cause efeitos adversos à saúde do trabalhador.
Nesta lista de obrigações constam certas determinações como a necessidade de orientar os trabalhadores sobre os fatores de risco relacionados à exposição ao calor; Os distúrbios relacionados ao calor, com exemplos de seus sinais e sintomas, para que os trabalhadores saibam reconhecer alterações em seus organismos; A necessidade de informar ao superior hierárquico ou ao médico a ocorrência de sinais e sintomas relacionados à exposição a altas temperaturas; As medidas de prevenção relacionadas à exposição ao calor; E ainda as possíveis situações de emergência decorrentes da exposição ocupacional às altas temperaturas, com as condutas correspondentes a serem adotadas.
A mesma normativa técnica utilizada para adequar os intervalos de recuperação térmica, determina que os trabalhos realizados em minas de subsolo são, via de regra, insalubres, devendo contar com o respectivo valor adicional sobre os proventos obtidos. Diante disso, é importante mencionar que o adicional de insalubridade não afasta a possibilidade de intervalo para recuperação térmica.
Outrossim, a supressão dos intervalos para recuperação térmica dos trabalhadores que atuam expostos a calor intenso durante a jornada resulta no pagamento de horas extras correspondentes ao período, além do pagamento adicional por insalubridade, conforme se observa do aresto do julgado a seguir:
RECURSO DA ACIONADA: INTERVALO PARA RECUPERAÇÃO TÉRMICA – DESCUMPRIMENTO – EXPOSIÇÃO A CALOR EXCESSIVO – HORAS EXTRAS. A inobservância dos intervalos para recuperação térmica, previstos na NR nº 15, atrai o pagamento de horas extras correspondentes, sendo latente que a cumulação com o pagamento do adicional de insalubridade não configura “bis in idem”, por possuírem naturezas jurídicas distintas, visto que o adicional de insalubridade decorre da exposição do trabalhador ao agente insalubre (calor), ao passo que o pagamento do intervalo é devido porquanto as pausas para recuperação térmica não foram devidamente concedidas. Sentença mantida. (TRT-20 00005647520145200011, Relator: VILMA LEITE MACHADO AMORIM, Data de Publicação: 02/07/2019).
Saliente-se que em muitos casos as minas ainda podem oferecer um ambiente com altos índices de ruídos, o que também é abarcado como insalubridade pela Norma Regulamentadora Nº 15 DE 06/07/1978.
Conforme observado, os regramentos elencados possuem um caráter preventivo no que concerne à proteção da saúde do trabalhador mineiro. Porém o Artigo 300 da CLT, prevê a conduta a ser tomada pela empresa nos casos em que as atividades já atingiram a saúde do obreiro de alguma forma.
Nestas situações o dispositivo preconiza que em todos os casos nos quais, por motivo de saúde, for necessária a transferência do empregado dos serviços no subsolo para os de superfície, a empresa é obrigada a realizar essa transferência, assegurando ao transferido a remuneração atribuída ao trabalhador de superfície em serviço equivalente, respeitada a capacidade profissional do interessado.
Além dos dispositivos explanados anteriormente, cumpre mencionar que os trabalhadores de minas de subsolo também têm o direito a receber da empresa alimentação adequada de acordo com as funções desempenhadas, e de acordo com as instruções estabelecidas pela Secretaria da Segurança e Medicina do Trabalho, aprovadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, nos termos do Artigo 297 da CLT.
Por fim, no tocante às normas pertinentes a este tipo de labor encontramos o Artigo 301 da CLT que determina a permissão do trabalho mineiro apenas para homens, com idade compreendida entre 21 e 50 anos. A vedação do trabalho feminino nas minas tem suas origens na Convenção relativa ao emprego de mulheres em trabalhos subterrâneos nas minas de qualquer categoria, Tratado internacional elaborado em 1935, do qual o Brasil é signatário. Contudo, o assunto torna-se controverso, pois tais normas vem recebendo críticas em razão da não adequação à políticas de igualdade de gênero, já que, ao passo que tal normativa era plenamente justificável em 1930, diante da situação extremamente precária e manual da mineração, contemporaneamente, dado o avanço tecnológico, tem-se que a mulher poderia atuar nas empresas de mineração, desde que respeitadas as suas particularidades.
Não obstante, é notória a presença de mulheres inseridas na mineração informal, embora seu labor não seja devidamente reconhecido, sendo considerado como uma extensão de suas atividades domésticas. Neste espectro o caráter familiar da atividade mineral informal leva algumas mulheres a uma prejudicial sobrecarga de trabalho.
Neste cenário, após a revogação do Artigo 387 da CLT que taxativamente proibia a função mineira para mulheres, algumas companhias já estão realizando contratações em funções técnicas e de natureza supostamente menos penosa.
Como se vê em razão do caráter predominantemente nocivo à saúde da atividade mineira, os dispositivos esculpidos na CLT e as normativas reguladoras, procuram oferecer o máximo de proteção possível aos trabalhadores. No entanto, uma breve busca nos bancos de jurisprudência demonstra que as grandes mineradoras descumprem reiteradamente tais disposições, visando apenas uma maior margem de lucros, em detrimento da saúde e do bem-estar de seus empregados.
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