A discussão sobre a forma de aplicação de juros e correção monetária às decisões judiciais sempre esteve cercada de muitas divergências. Recentemente fora adicionado mais um capítulo a este debate através do julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade 58, relatada pelo ministro Gilmar Mendes. Para que se possa compreender melhor a controvérsia, antes de tudo, é necessário se reportar às demandas que deram origem à decisão.
Após o advento da lei 13.467/2017, que efetuou reformas na CLT, algumas organizações se manifestaram com o intuito de verificar a constitucionalidade dos artigos 879 § 7º e 899 § 4º da CLT. Ambos os dispositivos versam sobre a correção monetária na justiça do trabalho. O primeiro tem como objeto a inclusão da TR-Taxa Referencial como índice de correção monetária dos créditos decorrentes de condenação judicial. Já o segundo diz respeito à correção dos depósitos recursais.
Diante disto, a Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) e a Confederação Nacional da Tecnologia da Informação e Comunicação (Contic), ingressaram com Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC 58 e ADC 59), visando a validação dos referidos artigos. Com argumento oposto, a Associação dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), ajuizou as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 5867 e 6021, requerendo a exclusão da TR como índice de correção, fundamentando o pedido com o argumento de que o texto da lei que preconiza a correção dos débitos trabalhistas “pelos mesmos índices da poupança” seria inconstitucional. Bem como na possibilidade da correção pela TR violar a proteção ao salário do trabalhador.
Em momento anterior, por unanimidade, os ministros do STF acataram parcialmente a tese da Anamatra, de acordo com a argumentação contida na ADI 6021, decretando a inconstitucionalidade do Artigo 879 §7º e excluindo a TR como índice de correção. Logo depois, a divergência continuou pairando sobre qual seria o índice correto para substituição da Taxa Referencial. Em decisão posterior, após o apensamento das demais demandas a ADC 58, os ministros acompanharam o voto do relator no sentido de que deve ser aplicado o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E), na fase pré judicial. Após a citação deverá ser aplicada a taxa Selic.
A decisão poderá ser revertida caso o Poder Legislativo delibere sobre a questão, uma vez que o Judiciário não poderia substituir o índice fixado pelo legislador, em respeito ao princípio da separação de poderes.
Como embasamento ao seu voto, o Ministro Gilmar Mendes lembrou o parecer exarado na ADI 6021, excluindo definitivamente a TR como índice de correção, uma vez que não reflete a atualização do poder aquisitivo da moeda. Além disso, o fulcro para a inclusão da Selic como índice de correção aos débitos se deu, segundo seu entendimento, em razão da necessária interpretação constitucional dos dispositivos impugnados. Isso determina que o débito trabalhista seja atualizado de acordo com os mesmos critérios das condenações cíveis em geral.
Da mesma forma, o voto do relator chamou atenção para a indevida equiparação dos débitos trabalhistas pelos mesmos índices dos créditos assumidos em face da Fazenda Pública, contradizendo decisões anteriores do TST que aplicavam o IPCA-E como índice de correção. Sobre isso, o Ministro Gilmar Mendes, ao expor seu voto, disse: “Não se pode a pretexto de corrigir uma inconstitucionalidade, incorrer-se em outra”.
Os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio, apresentaram divergência ao parecer do relator, fundamentando seus votos no sentido de que a correção monetária deverá efetivamente proporcionar a reposição do poder aquisitivo e que o índice que mais corresponde à inflação, a ser aplicado para a atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial na Justiça do Trabalho, seria o IPCA-E. Esta também era a tese defendida pela Anamatra.
A decisão se torna um tanto quanto confusa em razão de seu efeito modulatório conter quatro possibilidades, pois, visando evitar a reversão de decisões já proferidas pelos juízos de origem, a corte dividiu a eficácia da decisão em quatro situações diferentes, quais sejam:
a) Para pagamentos já realizados, judicial ou extrajudicialmente, utilizando a TR, o IPCA-E ou qualquer outro índice de correção monetária, e o índice de 1% de juros moratórios não haverá nenhum tipo de rediscussão. Visa evitar a sobrecarga do judiciário através de demandas baseadas em um pretenso efeito ex tunc da sentença do STF.
b) Para decisões transitadas em julgado, que determinem expressamente a aplicação da TR, do IPCA-E ou de qualquer outro índice de correção monetária, e do índice de 1% de juros moratórios, valerá a mesma regra do item anterior, vedada inclusive a possibilidade de ação rescisória.
c) Para decisões transitadas em julgado que não explicitaram os critérios de correção monetária, seja porque foram omissas, seja porque se reportaram aos “critérios legais de correção”, passará a ser aplicada a taxa SELIC desde a data do ajuizamento, substituindo os índices de correção e juros moratórios.
d) Por fim, para decisões ainda não transitadas em julgado será aplicada a taxa Selic desde a data do ajuizamento da ação.
A decisão dividiu opiniões entre advogados e demais operadores do direito. Representantes da OAB e de algumas centrais sindicais se posicionaram de forma desfavorável à posição do Ministro Relator, por uma série de motivos. Primeiramente, em virtude de a Taxa Selic englobar não apenas correção monetária, mas também juros; a correção monetária, tem como objetivo apenas a atualização do valor em razão do decurso temporal. Já os juros incidem pelo atraso no pagamento da obrigação. Neste caso entende-se que a decisão do STF extrapola os limites da demanda, atingindo dispositivo legal que está fora do processo (artigo 39, parágrafo 1º, da Lei 8.177/1991).
Outro aspecto importante diz respeito à possibilidade de a Selic não representar efetivamente a perda de poder aquisitivo, beneficiando os devedores. Tal situação poderia gerar uma onda de atrasos nos pagamentos dos débitos trabalhistas, simplesmente pela possibilidade de não haver acréscimo significativo ao valor devido. Uma onda de recursos procrastinatórios certamente acompanha esse entendimento.
Em contrapartida, os que se demonstraram favoráveis ao resultado do julgamento aduzem que os juros de 1%, seriam altos demais em comparação ao que é usual ao mercado, podendo ocasionar enriquecimento ilícito dos credores. Além disso, como contraponto à possibilidade de atraso nos pagamentos em razão de índice de correção mais benéfico, os credores poderiam abrir mão de outras estratégias jurídicas visando a satisfação do crédito, como a punição processual por litigância de má-fé e por ato atentatório à dignidade de justiça nos casos de procrastinação, além do uso de meios coercitivos próprios da execução. Como exemplo desses, é possível citar a utilização de multa e de astreintes, forçando o cumprimento da obrigação.
Dessa maneira, muito embora a recente decisão tenha sido terminativa no tocante às ações diretas de inconstitucionalidade e às ações declaratórias de constitucionalidade que foram interpostas em face de artigos da reforma trabalhista, a celeuma está longe de terminar. Isto porque o próprio voto do relator indica que em breve o legislativo deverá se manifestar visando a equanimidade e uniformidade dos índices de correção monetária aplicados nas decisões judiciais. No entanto, provavelmente qualquer índice escolhido pelo parlamento será objeto no futuro de demandas similares, visando validar sua constitucionalidade ou, em sentido oposto, declará-lo inconstitucional.
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